Por: Carlos Santiago
Os deuses das religiões mundiais estão isolados em uma caverna pós-moderna. Impulsivos e desesperadamente estendem seus tentáculos na busca de permanecerem vivos e operantes, como a gritarem que é necessária uma nova Idade Média, um mundo de negação de todo o conhecimento. As sombras da ignorância da metáfora platônica avançam sobre as mentes e fragmentam as estruturas intelectivas do homem moderno.
Timidamente, ele busca sua defesa em protótipos, modelos, paradigmas e em fórmulas cientificistas, que ao invés de funcionarem como lanternas perante a penumbra do anticonhecimento, o joga ainda mais num mundo pastoso, onde todos os sentimentos, crenças, deuses, ciências, religiões e teorias se mesclam, perdendo a sua identidade e deformando-se em uma espécie de conhecimento pré-científico.
Liquidez da vida, diluição do poder de autoridade, algoritmos no comando das decisões humanas. O homem deixa de ser a medida de todas as coisas. O antropocentrismo é escanteado em detrimento de um “devir” prenhe de incógnitas, paradoxos e fórmulas vazias, tudo são indagações que tanto o espírito humano quanto os seus conhecimentos construídos jazem ignorantes. Parece mesmo que o mundo atual deixou de ter características sólidas, passa pela fase do estado líquido, e, aquém do estado gasoso, estaciona no estado pastoso, onde sua melhor representação é o de um pântano, onde tudo são obscuridades e mistérios, onde qualquer senso de racionalidade e de moralidade desaparece.
Situação agônica, o homem jamais foi totalmente tomado como um ser completamente racional. Sua subjetividade vem sendo descentralizada no mundo da cultura e sofrendo historicamente um enorme desgaste com o advento de conceitos como o de evolucionismo, ideologia, inconsciente, super-homem e morte do homem. De Darwin, passando por Marx, Freud, Nietzsche, até chegar em Foucault, todos eles diagnosticaram e prognosticaram um terrível fim para o homem. Não restam dúvidas: a vida hodierna é líquida, fluída, volátil, incerta, insegura. Parafraseando Zygmunt Bauman, podemos dizer que todas as relações sociais humanas escorrem entre os nossos dedos.
Mas o desejo e a vontade do homem tendem ao infinito. Para Yuval Harari, superados os problemas da guerra, da fome e das pestes, “as novas conquistas da humanidade serão provavelmente a imortalidade, a felicidade e a divindade”, uma espécie de trindade que pode, talvez, dar ao homem o status de Deus. Mas, paradoxalmente, no mundo da biotecnologia e da tecnologia da informação, governado pelos algoritmos, o humano está destinado à retaguarda. Num mundo de alta tecnologia o conhecimento humano poderá estar dramaticamente sujeito a um tipo de metamorfose jamais pensada. Poder e saber, palavras e coisas, construção e destruição do homem.
Talvez, um farol a guiar o homem pós-moderno nesse caminhar por um mundo cada vez mais fluido, seja, como ensina Bauman ao falar da vida líquida, a construção de uma ética planetária: “as condições necessárias para garantir a sobrevivência humana (ou, ao menos, para aumentar suas probabilidades) deixaram de ser divisíveis e localizáveis. O sofrimento e os problemas de nossos dias têm, em todas as suas múltiplas formas e verdades, raízes planetárias que precisam de soluções planetárias”.
De fato, num amanhã liquido dominado por uma extremada tecnologia com um imenso domínio sobre a vida e sobre as ações das pessoas, indagar-se-á, como fez Primo Levy: será isto ainda um homem?
*O autor é sociólogo, analista político e advogado.