Um Caruso que parte
Por Miguel Paiva (*)
No programa Roda Viva ficou muitos anos desenhando os entrevistados numa visão crítica do que era dito no programa, o que acrescentava sempre um ponto revelador
Paulo era o lado pianista e mais quadrinista da dupla genial com o irmão Chico, também músico, mais cantor, e caricaturista maravilhoso. Paulo era um desenhista ímpar que contou com suas páginas de humor, sob forma de quadrinhos, a história do Brasil dos últimos anos. Cruzamos nossos caminhos várias vezes Entrei no lugar dele na revista IstoÉ, ele deixando de fazer o Avenida Brasil e eu começando a série Happy Days. Ou foi ao contrário? Eu saia e ele entrava. Não importa. O que interessa é que usamos a mesma página numa época em que o humor gráfico era valorizado e ocupava páginas de jornais e revistas.
Publiquei o Paulo quando editava uma página de humor no Estadão e nos encontrávamos sempre no salão de Piracicaba. Foi lá, acho que no ano em que fui presidente, que criamos a Muda Brasil Tancredo Jazz Band. Todos os cartunistas participaram de uma maneira muito mais justa que a minha que não toco nada. Tinha o Paulo, Chico, Aroeira, Veríssimo , Reinaldo e muitos outros. Eu batia uns atabaques que justificava minha participação. Mas a banda foi longe. Paulo, Chico e Aroeira, por exemplo levaram a música de humor aos palcos por muitos anos. Eu virei público, o que me parecia mais justo.
Paulo e Chico vestiram todos os figurinos possíveis para ilustrar seus shows. Eram muito engraçados e os dois continuavam cantando e desenhando muito. Numa outra ocasião Paulo reproduziu acho que do tamanho natural, o famoso mural que Ziraldo pintou no canecão nos anos 60. Paulo conseguiu fotos e o salão de Piracicaba reproduziu num galpão a obra escondida pelas paredes da casa de shows que nunca mais foi vista. Paulo tinha isso. Além de desenhar gostava de enaltecer e divulgar o desenho de humor.
No programa Roda Viva da TV Cultura ficou muitos anos desenhando os entrevistados numa visão crítica do que era dito no programa, o que acrescentava sempre um ponto revelador. Era parte fundamental do programa. Até pouco tempo, já doente, estava lá na batalha.
Paulo era a ponte entre o humor de uma geração mais velha e a nova que anda publicando mais nas redes. Como eu, Paulo era um profissional de imprensa, do jornal impresso, do cheirinho de papel ainda quente saindo das máquinas.
Vai-se o Paulo que deixa, além de um irmão faltando um pedaço, todo um grupo de cartunistas, chargistas, quadrinistas órfãos e inconsoláveis. Paulo era aquela figura que deveria existir para sempre. De uma certa forma isso vai acontecer com sua arte e sua figura.
(*)Miguel Paiva
Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia