O PREFÁCIO DO ZIRALDO

por Ediel Ribeiro

 Concordo com o amigo, cartunista e professor de arte, André Brown, que outro dia escreveu: “Ziraldo além de ser um artista genial, fazia um trabalho constante de formação de leitores”.

Digo mais: além de formar leitores, incentivava os autores. Sendo sempre muito gentil com seus pares, nunca se negando a escrever generosos prefácios de apresentação.

Millôr Fernandes tem um livro do qual gosto muito: “Apresentações”. O título já diz tudo. São mais de 80 prefácios e apresentações que ele escreveu ao longo da carreira.

Prefaciar o livro de alguém é uma tarefa delicada. Pois apresentar alguém é elogiar alguém. Ao menos, é o que esperam os prefaciados. Alguns, como Nelson Rodrigues, chegavam a intimar ao pedir prefácio a alguém, “Não me venha com pequenas restrições!”.

Ziraldo também merecia um livro assim, tamanha a quantidade de apresentações e prefácios que escreveu para os amigos, ao longo da carreira. Escolhi um. Uma obra prima. O prefácio que ele escreveu para o livro “Quebra-Nó$”, do cartunista Mayrink, mineiro de Jequeri, radicado em Caratinga, cidade do pai do ‘Menino Maluquinho’.

Lá vai:

“O Mayrink é o seguinte: trata-se de um rapaz modesto e cumpridor dos seus deveres. Ao ler esta frase, no começo do meu prefácio, o Mayrink dirá, certamente: ‘Que canalha, o Ziraldo. Me tratando desse jeito!’

Modesto e cumpridor dos seus deveres é um conceito que destrói a carreira de qualquer artista. Mas, meu Deus, o que eu posso fazer? O Mayrink é modesto mesmo. E é também cidadão exemplar, bom colega, bom pai, bom filho, essas coisas. Em poucas palavras, o Mayrink é o brasileiro perfeito.

Ele me apareceu, vindo de Caratinga (eu sou tão antigo que metade dos humoristas brasileiros em campo passaram pelo meu vestiário; no bom sentido, é claro). Eu trabalhava na revista ‘Visão’ como diretor de arte e precisava de um assistente. Aí, chega o Mayrink. Queria um emprego. ‘Que é que você sabe fazer?’ Ele disse que sabia desenhar. Então eu disse: ‘Senta aí e começa a trabalhar’. Ele voltou para Caratinga para ajeitar suas coisas – antes de assumir o lugar – e chegou lá dizendo que a coisa mais fácil do mundo era conseguir emprego no Rio de Janeiro.

E veio trabalhar comigo na ‘Visão’. Alí, no meio de gente da maior importância – Zuenir Ventura, Washington Novais, Aloysio Biondi, Norma Pereira Rego, Cláudio Bueno Rocha, Henrique Coutinho, Jorge Leão Teixeira e outros – ele fez sua cabeça. E se transformou – no dizer do jornalista e ambientalista Washington Novaes – no primeiro cartunista naif da imprensa brasileira (essa é uma opinião do Washington que eu respeito; vocês vêem aí).

A verdade é que o Mayrink ilustrou por anos a fio a seção do Jorge Leão na ‘Visão’ e estreou como cartunista no suplemento ‘Cartum’ do ‘Jornal dos Sorts’. Depois, virou um grande editor gráfico de revistas e jornais. Estudou Direito e foi cuidar da vida, acabar de educar os irmãos, comprar casa pra mãe, paginando seus house-organs, programando novas publicações, ganhando sua vida com a maior dignidade. E ganhou, no meio desta atividade toda, um dos prêmios do ‘Salão Internacional de Humor de Montreal’, no Canadá. Um importante reconhecimento para o seu trabalho como cartunista.

Outro dia, ele me apareceu aqui em casa com um livro pronto. Uma emoção parecida com a da formatura de um filho. Eu amo o Mayrink. Aí, ele me pediu o prefácio para o seu livro. O que eu faço com o maior prazer.

Aí está o jeito com que o Mayrink vê o Brasil. O jeito com que o brasileiro mais diligente, mais honesto, mais decente, mais cumpridor dos seus deveres vê o Brasil. Uma coleção de charges e cartuns absolutamente comoventes. Espero que todos entendam a extensão e a importância da visão deste artista. E comprem, e vejam, e leiam e curtam este seu livro belíssimo e puro, cheio de coragem e de dignidade; cheio da criatividade mais pura da alma brasileira. Ou da alma do pessoal lá de Caratinga (tirante o Agnaldo Timóteo, é óbvio)”.

*Ediel Ribeiro é jornalista, cartunista e escritor.

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