EX GOVERNADOR GILBERTO MESTRINHO, numa caricatura de Jack

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

Eleito deputado federal por Roraima em 1962 – no mesmo ano em que Plínio Coelho se elegeu governador do Amazonas pela segunda vez –, Gilberto Mestrinho teve os direitos políticos cassados na primeira lista do pós-golpe militar de 1964, a de 9 de abril. Ele sofreu a arbitrariedade calado, passou alguns meses escondido em São Paulo, fixou residência no Rio de Janeiro e recompôs sua vida como empresário bem-sucedido. Tinha banco e fábrica de cimento em Belém. Fábricas de revestimento texturizado e de extrusão de alumínio no Rio de Janeiro. A ditadura nunca o incomodou e nunca se ouviu dele, nos anos de chumbo, nenhuma declaração sua contra os militares.

Ele sustentava ter sido cassado por ter feito uma desfeita pública, em Manaus, ao general Muniz de Aragão, comandante militar do Amazonas. A polícia do governador Mestrinho dissolvia com violência os comícios da oposição. Em um deles, ao ser chamado, o general Aragão mandou seus rapazes baixarem o cacete na polícia estadual e garantiu um determinado comício da oposição. Indignado, Gilberto Mestrinho o insultou, no meio da rua, e prometeu que ele seria afastado da região. Dito e feito: a pedido de Mestrinho, o presidente João Goulart mandou prender e remover o general. O general, de fato, foi transferido, mas nunca foi preso. De Manaus foi exercer a função de chefe de Estado-Maior do 4.º Exército, comandado pelo general Castelo Branco.

A vingança, segundo Mestrinho, viria após o golpe. O general Aragão teria incluído o nome dele, à caneta, na primeira lista dos cem cassados. O ex-senador e ex-ministro Jarbas Passarinho, golpista de primeira hora e governador do Pará no pós-64, contesta esta versão. Segundo ele, Mestrinho tinha uma ficha muito pesada na Segunda Seção (Serviço de Informações), sendo que as acusações incluíam contrabando e outras coisas mais sérias. Para Passarinho, Gilberto foi cassado por corrupção. Apesar das dezenas de inquéritos que respondeu, o ex-governador nunca foi condenado. Em compensação, ele foi proibido pelos militares de aparecer em Manaus sob qualquer circunstância.

Dezoito anos se passaram até que Mestrinho voltasse a colocar os pés em Manaus. Voltou, em 1982, e elegeu-se governador, mais uma vez com acusações não comprovadas de fraude eleitoral. Depois que tomou posse, nomeou o empresário Amazonino Mendes prefeito de Manaus, para um mandato-tampão de dois anos. Quando o Congresso Nacional aprovou as eleições diretas para prefeitos das capitais, apoiou Manoel Ribeiro, seu vice-governador, que se elegeu prefeito em 85, para um novo mandato-tampão de três anos.

Em 1986, desafiando a ala autêntica do PMDB, ele indicou o ex-prefeito Amazonino Mendes como candidato a governador pelo partido. Dezenas de militantes históricos do PMDB abandonaram a legenda, entre eles os deputados federais Artur Neto e Mário Frota, os deputados estaduais Félix Valois e Beth Azize, e os vereadores Chico Marques e Ivanildo Cavalcante.

Em fevereiro daquele mesmo ano, Gilberto Mestrinho sofreu um dos maiores golpes de sua vida, a perda de um filho de 18 anos, José Carlos. O Monza que ele dirigia colidiu com um caminhão na estrada da Ponta Negra. A foto de José Carlos decorava a mesa de seu gabinete de senador, em Brasília. Ele e o irmão, Luís Carlos (também conhecido como DJ Le Jaguar), são filhos da segunda esposa oficial de Mestrinho, a portuguesa Maria Emília. Com a primeira, Maria Antonieta, ele viveu 45 anos e teve cinco filhos. Entre os dois casamentos oficiais, Mestrinho manteve um romance com uma roraimense e teve três filhas, todas devidamente reconhecidas. Foram dez rebentos, no total, com mais de 20 netos e bisnetos.

Vaidoso, apesar da aparência exótica, não desmentia semelhanças com a lenda amazônica do boto que, em noite de lua cheia, se transformava em rapaz bonito e engravidava as virgens nas margens dos rios. Dizia que sua maior qualidade era a sinceridade. Nas campanhas políticas, prometia mundos e fundos ao povo, mas uma coisa não admitia: ser carregado nos braços dos eleitores.

– Isso é um perigo! Eles passam a mão onde não devem. Ainda que façam com carinho, não gosto – dizia.

Era um autêntico garanhão de classe mundial.

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

Agosto de 2001. O prefeito de Eirunepé, Edy Conrado, mandou uma mensagem para a Câmara Municipal criando a Reserva Extrativista de Madeira de Coatá, no rio Gregório, próxima da Área Indígena Igarapé Penedo e Baú. As discussões começaram.

O líder do prefeito, vereador Mundico, elogiou a iniciativa. Depois de tecer loas à visão de estadista do prefeito, ele disparou:

– O que eu posso garantir, senhores vereadores, é que com mais essa medida tomada em boa hora pelo excelentíssimo doutor Edy Conrado, nós vamos garantir que os nossos irmãos que vivem no mato possam usufruir de nossas riquezas vegetais e minerais…

O líder da oposição, vereador Beluzo, pediu um aparte:

– Se é uma reserva extrativista de madeira, nobre colega, me explique como os nossos irmãos vão ter acesso às riquezas minerais…

Sem perder a pose, Mundico deu um corta-luz:

– O nobre vereador Beluzo é mesmo uma besta quadrada, um ignorante. Pois fique sabendo, caro vereador, que lá na reserva o que mais tem é pau-de-ferro, pau-de-chumbo, pau-marfim, pau-terra e outras madeiras de lei. Por isso que falei em riquezas vegetais e minerais…

Beluzo devolveu de trivela:

– Então, sapientíssimo vereador, acrescente no texto do seu prefeito que os nossos irmãos vão usufruir de nossas riquezas vegetais, minerais e fisiológicas…

Mundico ficou irritado:

– Eu não disse? Ele já partiu para a ignorância… Que história é essa de riqueza fisiológica, companheiro?…

Beluzo meteu uma pedalada em direção ao gol:

– É que o nobre colega esqueceu de falar no louro-bosta…

Quase que sai tiro dentro do plenário.

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

Novembro de 2004. Secretário estadual da Produção Rural, o deputado Luiz Castro estava em Parintins participando de uma reunião com os pecuaristas locais. A Sepror, em parceria com o Idam e a Afeam, estava oferecendo assistência técnica e financiamento para quem quisesse melhorar a qualidade do plantel, fosse investindo em pastos rotacionados com cerca elétrica, fosse investindo na aquisição de matrizes.

O secretário também estava oferecendo vacinas antifebre aftosa com preços subsidiados pelo governo. A vacina custava R$ 1,20 no mercado, mas o governo pagava 50% do custo. Ela sairia por apenas R$ 0,60. Os pecuaristas queriam que a vacina fosse dada de graça. Para começarem a reclamar da falta de apoio do governo para o setor primário foi conta de multiplicar. Estava estabelecido o impasse.

Vendo que a discussão não avançava, o presidente da Associação Pecuarista de Parintins, Eliezer Britto, pediu a palavra e desabafou:

– Olha, secretário, só tem duas coisas dando dinheiro em Parintins: boi de pano e soja…

Luiz Castro tomou um susto. Pelo zoneamento econômico-ecológico gerenciado pela Sepror, a plantação de soja estava limitada à região de campos naturais do Estado, ou seja, Humaitá, Manicoré e Apuí, na fronteira com Mato Grosso. A vocação natural de Parintins era a pecuária de corte.

Vermelho como um pimentão, Luiz Castro começou a consultar um calhamaço de papéis que conduzia em uma pasta, para saber quem autorizara o financiamento para aquele tipo de grão no baixo Amazonas. Aquilo só podia ser alguma nova presepada dos “estrategistas” da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável querendo dar maior visibilidade ao programa Zona Franca Verde.

Sem dar a menor confiança para a aflição do deputado, cuja pressão arterial estava em 12/23, Eliezer Britto foi em frente:

– Tô lhe dizendo, parente! Essa raça aqui só quer saber de soja… Só já reclamando, só já falando mal do governo, só já gastando à toa o dinheiro do financiamento, só já criando caso, só já ameaçando mudar de ramo, só já falando que vai virar a mesa… Ô raça indigesta, secretário!

As gargalhadas desanuviaram o clima pesado da reunião e os pecuaristas aceitaram pagar pelas vacinas. Mas faltou muito pouco para Luiz Castro ter um infarto.

Simão Pessoa - Colunista

Simão Pessoa

Colunista d’O Ralho, poeta e humorista, dedica-se ao jornalismo cultural e à atividade de produção e criação publicitária. Foi editor de cultura Jornal Amazonas Em Tempo e colunista Jornal Correio Amazonense, entre outros veículos, e divulgador, em Manaus, da geração beat americana e da poesia marginal brasileira.

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