HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA
Plínio Ramos Coelho nasceu em Humaitá no dia 21 de fevereiro de 1920, filho de Francisco Plínio Coelho e de Ana Ramos Coelho. Seu irmão, Paulo Ramos Coelho, foi senador entre 1962 e 1963 e deputado federal pelo Amazonas entre 1963 e 1967. Enviado a Manaus ainda criança, Plínio Coelho estudou no Colégio Dom Bosco, no Ginásio Amazonense, na Escola Normal e na Escola de Comércio Solon de Lucena. Formou-se professor pelo Instituto de Educação e bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Amazonas.
Em janeiro de 1947, elegeu-se deputado à Assembléia Constituinte do Amazonas pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Participou dos trabalhos constituintes e, com a promulgação da nova Carta estadual, passou a exercer mandato ordinário. Dotado de uma oratória brilhante, foi eleito deputado federal em outubro de 1950, na legenda da coligação formada pelo PTB e o Partido Social Progressista (PSP). Em virtude da sua posição firme e vigilante em defesa dos interesses dos trabalhadores e da moralidade da administração pública passou a ser chamado pela imprensa amazonense de “o Ganso do Capitólio”.
Jornalista militante, advogado, escritor e poeta, Plínio Coelho havia ingressado na política sob a bênção de seu conterrâneo Álvaro Maia (PSD), mas não tardaria a romper a aliança com o pessedismo e tornar-se o mais duro crítico do seu ex-mentor.
Em 1954, ao assumir a liderança da oposição, ele se lançou candidato ao governo contra o também deputado federal Ruy Araújo (PSD), o candidato da situação indicado pelo governador. A futura consagração de Plínio Coelho nas urnas sinalizaria o ocaso da longa trajetória política de Álvaro Maia.
Em agosto daquele ano, Plínio Coelho realizou um gigantesco comício no bairro da Praça 14, cujas ruas esburacadas, sem iluminação e tomadas pelo mato eram uma fonte permanente de dor de cabeça para os moradores.
– Se for eleito, minha gente humilde da Praça 14, eu prometo iniciar o saneamento das finanças públicas do Estado para readquirirmos nossa capacidade de investir na infraestrutura e avançarmos rumo à justiça social – vociferou Plínio. – Para tanto, vou criar uma série de empresas de economia mista, como Celetramazon, Papelamazon, Alimentamazon, Telamazon, Cimentamazon e Transportamazon. Essas empresas vão significar a redenção do homem da capital e de nossos irmãos desassistidos nos grotões do interior.
O discurso seguiu nesse diapasão, entre o técnico e o messiânico. O povão não entendia direito, mas aplaudia com fervor quase religioso. Um assessor discretamente cochichou para o orador sobre aquilo que a população realmente desejava ouvir: uma solução para o problema das ruas do bairro. Plínio não contou conversa:
– Por último, meus amigos, eu quero reafirmar que uma das minhas primeiras medidas como governador será fazer um arruamento à altura deste bairro tão querido e bonito. Quem votar no PTB vai ficar de cima! Podem anotar! Quem votar no PTB, quem votar comigo, vai ficar de cima! Vai ficar de cima!
Os urros e vivas da multidão davam para serem ouvidos no Seringal-Mirim. O bairro da Praça 14 votou maciçamente em Plínio Coelho, que acabou sendo eleito.
Em junho de 1955, uma patrulha mecanizada do DER-AM se estabeleceu no bairro para começar a fazer o arruamento. Seis meses depois, quando a patrulha se deslocou para repetir a dose no bairro da Cachoeirinha, a Praça 14 estava completamente mudada.
As casas da rua Nhamundá, por exemplo, estavam agora a três metros de altura do nível da rua. Idem as casas das ruas Tarumã, Japurá, Apurinã, Afonso Pena etc. O novo governador havia cumprido a promessa: fez um arruamento profundo, à altura da expectativa dos eleitores, e o povão agora estava “de cima”…
HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA
Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo nasceu em Lábrea no dia 23 de fevereiro de 1928, filho de Tomé de Medeiros Raposo e de Balbina Mestrinho de Medeiros Raposo, mas só foi registrado em Manaus – de onde vem a origem da bizantina discussão sobre a verdadeira cidade natal do político. Ele fez seus estudos no Grupo Escolar Humberto de Campos, no Colégio Sete de Setembro, em Fortaleza, no Colégio Conselheiro Ferreira Viana e no Colégio Estadual do Amazonas.
O futuro “boto navegador” tinha apenas 22 anos quando montou o curso Eficiência, em 1950, preparatório para os concursos dos empregos federais. Ele mesmo passou em quatro: datilógrafo do IAPC, escriturário e oficial administrativo do Ministério da Fazenda e fiscal de consumo da Delegacia do Imposto de Renda, por onde se aposentou. Nos anos seguintes, fez-se amigo e credor do deputado federal Plínio Coelho, a quem ajudou a eleger-se governador em 1954. A primeira tentativa de vida pública foi uma candidatura a vereador, em 1955, pelo PTB. Não se elegeu. Naquela época, os prefeitos eram indicados pelo governador. E lá estava ele, em 1956, aos 28 anos, prefeito de Manaus sem ter tido um único voto.
No ano seguinte, uma bomba desabou sobre a sua cabeça na forma de um ofício assinado pelo general Amauri Kruel, na época chefe do Departamento Federal de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Redigido em papel timbrado do Ministério da Justiça e Negócios Interiores e endereçado ao chefe de Polícia de Manaus, o ofício GCP 1.291 anexou tradução de um documento de 10 de julho de 1957, em que “a Organização Internacional de Polícia Criminal comunica, segundo informação confidencial fornecida pela polícia norte-americana, ter sido descoberto, nesta capital, tráfico internacional de entorpecentes, apresentando como implicados Gilberto Mestrinho, Nicin Pazuels, Charles Dickman e outros”. O general pede que a polícia de Manaus o informe “do que a respeito ficar apurado”. Segundo Gilberto Mestrinho, aquilo tudo não passou de uma armação mesquinha de seus adversários políticos. O inquérito foi arquivado.
Em 1958, sob as bênçãos de Plinio Coelho, o então secretário estadual de Finanças Gilberto Mestrinho é eleito governador pelo PTB, derrotando Paulo Nery (UDN), oriundo de uma das famílias políticas mais tradicionais do Estado.
A eleição foi uma das mais tumultuadas da história do Amazonas. Apenas um pequeno exemplo: candidato a deputado estadual pelo PTB, com reduto em Benjamin Constant, onde Paulo Nery era o candidato favorito, Nelsonez Noronha foi encarregado de trazer as urnas do município para serem apuradas no Tribunal Regional Eleitoral, em Manaus, mas ele chegou na cidade sem a preciosa carga. Segundo o candidato, houve um banzeiro muito forte no rio Solimões e as urnas caíram n’água, perdendo-se para sempre.
Para dramatizar ainda mais o acidente, Nelsonez disse que observou um cardume de botos-tucuxis pajeando o local onde as urnas naufragaram, mas que nada pôde fazer. Segundo a crendice popular, os botos costumam nadar em círculo sobre um mesmo ponto quando querem indicar alguma coisa, seja o corpo de um afogado, uma urna eleitoral ou um óvni.
Quando, dias depois, as urnas emergiram na sede do TRE dando a maioria absoluta de votos para Gilberto Mestrinho, a oposição não teve dúvidas: os botos-tucuxis do Nelsonez haviam “emprenhado” as urnas. Para Gilberto Mestrinho ganhar o apelido de “boto-tucuxi” foi conta de multiplicar.
Gilberto ganhou fama nacional alguns meses depois de assumir o governo, quando mandou prender o amigo, padrinho político e ex-governador Plínio Coelho, àquela altura dono do jornal O Trabalhista, de oposição ao governo e ao governador.
A versão de Plínio, contada a amigos da época, diz que Mestrinho agenciou um sobrinho do ex-governador para forjar um atentado a casa dele, Mestrinho. Houve o atentado, a polícia descobriu o sobrinho do ex-governador, achou que Plínio era o mandante e o prendeu. No dia da prisão, um dos grandes escândalos da história do Amazonas, Gilberto Mestrinho estava em viagem pelo interior.
Nesse meio tempo, ainda inconformado com o resultado da eleição, Paulo Nery entrou com um recurso pedindo a anulação do pleito e encaminhou uma série de denúncias que sustentavam sua petição inicial. Durante mais de dois anos, o Dr. Linhares, advogado do suplicante, percorreu as salas do TRE implorando que o processo fosse julgado, sem obter êxito. Numa manobra de mestre, entretanto, Linhares conseguiu que o processo fosse transferido para Brasília, onde seria apreciado pelos ministros do TSE. Foi quando a tropa de choque de Mestrinho entrou em campo para melar a manobra.
Na tarde do dia 4 de março de 1961, uma turma de paus-mandados comandada por Gregório Dias (na época funcionário do DER-AM) e João Marques Paes Filho (na época juiz do Tribunal de Contas do Estado) invadiu o prédio do TRE, arrombou uma estante e roubou o processo original, dando sumiço nele. Sem o processo, ficou o dito pelo não-dito. Paulo Nery foi “tungado” pela segunda vez e, como bom cabrito, parou de berrar. Por causa do roubo dos documentos, Gregório Dias e João Marques seriam demitidos do serviço público, em outubro de 64, incursos no Processo nº 18, da Comissão Estadual de Investigações (CEI), nomeada pelo governador Arthur Reis.
Simão Pessoa
Colunista d’O Ralho, poeta e humorista, dedica-se ao jornalismo cultural e à atividade de produção e criação publicitária. Foi editor de cultura Jornal Amazonas Em Tempo e colunista Jornal Correio Amazonense, entre outros veículos, e divulgador, em Manaus, da geração beat americana e da poesia marginal brasileira.