DA POLÍTICA E SEUS CAUSOS

Junho de 1994. Ex-secretário estadual de Educação, o deputado federal José Melo (PFL), candidato à reeleição, está fazendo uma reunião com pais, alunos e professores na cidade de Benjamin Constant, em uma das escolas públicas do município. A quadra da escola está completamente lotada. José Melo começa um discurso inflamado sobre a necessidade de manter nas escolas as crianças entre sete e 14 anos, mas percebendo a indiferença da plateia resolve mudar de tática:

– Aqui vocês têm escola digna do nome? – questionou.

– Não! – a plateia berra, num coro ensurdecedor.

– Aqui vocês têm fardamento decente?

– Não! – a plateia responde, cada vez mais animada.

– Aqui vocês têm merenda escolar?

– Não!

– Aqui vocês têm atividades extracurriculares?

– Não!

– Aqui vocês têm professores qualificados?

– Não!

Desolado, José Melo encerra seu discurso derrubando o rei:

– Também, quem manda vocês estudarem nessa merda?…

Foi o deputado federal mais votado no município.

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

Julho de 1977. O prefeito de Manacapuru, Joaquim Antônio de Melo, o “Quinca Melo”, está visitando as vilas de Sacambu, Araras, Campinas e Caviana, para conferir se os geradores elétricos foram nelas instalados, como era desejo da população interiorana havia algumas décadas.

Chegando no Caviana, Quinca Melo foi recebido por uma multidão em festa. Além da instalação do grupo gerador, ele havia mandado construir uma nova ponte de madeira, que ligava a comunidade ao restante do município, rompendo o isolamento insular do local. Subindo em um palanque improvisado, Quinca Melo resolveu fazer um pequeno discurso.

– Muitos prefeitos qui passaro aqui, prometêro, prometêro, mas num cumpriro. Eu não. Eu num prumeti nada. O certo é que a ponte está fazida!

Seu filho mais novo e principal assessor político, Eloivan “Soldado” Melo, que estava posicionado ao lado, sussurrou:

– Num é “fazida”, pai, é “feita”…

Quinca Melo nem ligou para a observação:

– Feita ou fazida, meu filho, a palavra já foi dizida…

E desceu do palanque para receber o abraço agradecido dos moradores.

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

Agosto de 1998. Comício de Amazonino Mendes em Novo Airão. O apresentador oficial do comício, Sambarilove, decora o nome do próximo orador, escrito num pedaço de papel entregue a ele pelo deputado Belarmino Lins.

Sambarilove limpa bem a garganta, enche os pulmões de ar e manda ver:

– E, agora, com vocês, a palavra amiga do nosso grande prefeito Tuuurrrrrrbuuuuliiiino!!!

Uma voz cavernosa nas costas do apresentador, devidamente amplificada pelo microfone aberto, atinge a multidão como uma bofetada:

– Turbulino é a puta que pariu!

O prefeito Antônio Tiburtino queria briga.

Amazonino e Belão quase perderam o fôlego de tanto rir.

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

Em 1904, Thorvald Lock, um dinamarquês a serviço do governo dos EUA, seguiu um rastro de óleo no rio Madeira e chegou a um morro de onde saíam de 500 a 600 litros diários de petróleo. Ele concluiu que a região tinha uma estrutura geológica siluriana (uma das que normalmente possuem petróleo e gás), mas somente em 1909 novos pesquisadores franceses e americanos definiram o eixo principal da bacia petrolífera: ela ia de Nova Olinda, no Amazonas, até o vale do rio Guaporé, no Acre.

Em 1932, uma balsa e um rebocador, que transportavam uma grande sonda para 1.500 m, afundaram no rio Solimões. O fato foi abafado pelos pesquisadores estrangeiros responsáveis, mas a história da descoberta de petróleo chegou aos ouvidos do prefeito de Manaus, Carvalho Leal, por um geólogo que garantiu:

– No Amazonas há mais petróleo do que água!

Vinte anos depois essa mesma frase foi dita por um oficial militar do Geological and Geodesic Survey ao então major Salvador Benevides, na base aérea de Belém (PA).

Finalmente, no dia 13 de maio de 1955, jorrou petróleo em Nova Olinda. O governador Plínio Coelho apareceu nas primeiras páginas dos jornais brasileiros com o seu terno de linho branco tingido com o petróleo que jorrou do poço pioneiro da Petrobras.

Orador brilhante, Plínio Coelho fez um discurso majestoso, de quase meia hora, para concluir dessa forma:

– No caso do petróleo, o sentimento da população brasileira parece expressar-se num eterno e eloquente arremedo dos versos do poeta Castro Alves: o petróleo é nosso e a Petrobras também, como a praça é do povo e o céu é do condor!

Quebrando o protocolo, ele concedeu a palavra ao prefeito nomeado de Manaus, Gilberto Mestrinho, que evidentemente não sabia discursar com aquela profundidade. Gilberto, que até então limitara-se a puxar o cordão de palmas em determinadas partes do discurso e a olhar embevecido para o governador, como se estivesse vendo o próprio anjo Rafael trazendo a novidade da Anunciação, pisou no freio:

– Meus amigos, o que é que eu posso dizer depois de ouvir o mestre dos mestres, nosso mestre maior Plínio Coelho, o redentor do povo do Amazonas? Meu governador, meu grande mestre, eu não tenho nada mais a acrescentar, para não esquecer essa aula tão brilhante que nós acabamos de ouvir. Doutor Plínio Coelho, meu governador, obrigado, muito obrigado mesmo, por me deixar estar ao seu lado! Viva o nosso redentor!

E encerrou a conversa em meio a aplausos calorosos. O governador ficou tão impressionado com a humildade de Gilberto que resolveu lançá-lo candidato à sua sucessão. Começaria ali a carreira política do boto navegador.

Quanto ao poço de petróleo de Nova Olinda, ele não foi pra frente porque o presidente Café Filho mandou fechá-lo logo em seguida. No Wall Street Journal foi publicada uma notícia em que se dizia que Café Filho seria uma “mão na roda” para os homens de negócios dos EUA e da Europa. Logo depois, um deputado federal apresentou um projeto de lei limitando a ação da Petrobras a um círculo de 22 km ao redor de Nova Olinda, deixando o restante da região proibido a ela – e aberto para a Standard Oil, uma das “sete irmãs” que controlam a exploração mundial do petróleo. Nacionalismo é isso…

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

Setembro de 1982. Candidato à reeleição, o senador Evandro Carreira iniciou sua prédica num comício em Waupés (atual São Gabriel da Cachoeira):

– Há mais de 30 anos que corro esse Estado, mas não conhecia Waupés, não conhecia as belezas naturais de Waupés e quero me penitenciar…

Aí, lembrando dos borrachudos, meruins e piuns que não o haviam deixado dormir na noite anterior, chutou o pau da barraca:

– Pena que tenha apenas um hotelzinho que é uma verdadeira merda…

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

O discurso semântico do ex-governador Jânio Quadros – a substância de sua fala – ganhava mais força pelo impacto causado pelo discurso estético, a impressão provocada por sua maneira de falar, os olhos esbugalhados, os cabelos compridos e revoltos, a barba por fazer, um jeito desleixado que confundia interlocutores e assistentes: aquilo seria natural, coisa do acaso, ou algo preparado, artificializado?

Em Jânio, essa ambiguidade tornou-se marca de sua personalidade. Ficaram famosas suas campanhas em São Paulo, desde os tempos de vereador, quando escolheu o bairro de Vila Maria para montar o primeiro palanque de sua trajetória. Ombros cheios de caspa, sanduíches de mortadela, pão com banana, tudo sob as vistas dos fotógrafos, eram um prato saboroso para a mídia. Mas era tudo previamente ensaiado.

Um exemplo desse artificialismo consciente ocorreu durante a campanha pela Prefeitura de São Paulo de 1985, contra Fernando Henrique Cardoso, o senador sociólogo da época. Jânio foi ao bairro de São Miguel Paulista, na Zona Leste, reduto de nordestinos.

Depois de uma farta feijoada e inúmeras caipirinhas, Jânio não resistiu e caiu na cama. Atrasado, às 18 horas levantou-se, vestiu o terno amarfanhado e colocou uma banana no bolso. Ao começar o discurso, foi logo dizendo:

– Político brasileiro não se dá ao respeito. Eu não. Desde as 7 horas da manhã que estou caminhando por este bairro e até agora não comi nada. Então, com licença.

Sob os aplausos da massa, devorou a banana.

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

Comício do deputado federal Pauderney Avelino em Educandos. O coordenador da base eleitoral abre o verbo:

– Eu quero falar apenas com vocês que estão no nosso cadastro. Vocês vão votar no deputado?…

Umas duzentas pessoas gritam e levantam a mão, em assentimento.

O coordenador insiste:

– Quer cegar?…

Ficou todo mundo em silêncio.

Aí, também, já era querer pedir demais…

HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA

Eleito prefeito de Beruri pela terceira vez, o comerciante Odilon Picanço resolveu investir em piscicultura para ter uma fonte de renda segura quando deixasse a administração pública.

Na ponta do lago de uma de suas fazendas, ele fez uma barragem e colocou os tanques-rede para os alevinos. Em terra firme, construiu um tanque escavado para engordar os tambaquis quando atingissem três meses de idade. Pelos seus cálculos, os peixes estariam prontos para o abate a partir dos dez meses.

Odilon colocou para administrar o empreendimento um agregado da família, o paraibano Severino Fulepa. Toda semana, Severino passava na sede da prefeitura e recebia o dinheiro correspondente às seis sacas de ração para os alevinos. Três meses depois, eram 18 sacas de ração. Os tambaquis comiam mais do que piranha.

Atarefado com os problemas do município, Odilon raramente visitava a fazenda.

Quase um ano depois, o prefeito resolveu dar uma “incerta” no empreendimento. Acompanhado do seu secretário particular, Raimundo Mafra, ele se dirigiu à residência do caseiro:

– Bom-dia, compadre Fulepa. Como é que tá o nosso tambaqui?…

Severino fez uma cara de muxoxo:

– Ah, seu Odilon, está magro que só a muléstia…

O prefeito nem pensou duas vezes:

– Raimundo, bate a conta desse fio da égua que ele está comendo os meus peixes… Como é que esse disgramado sabe que o peixe está magro?… Ele não tem visão de raio xis…

O caseiro foi demitido na mesma hora. O ex-prefeito é hoje um dos maiores produtores de tambaqui do município.

 

Simão Pessoa

Colunista d’O Ralho, poeta e humorista, dedica-se ao jornalismo cultural e à atividade de produção e criação publicitária. Foi editor de cultura Jornal Amazonas Em Tempo e colunista Jornal Correio Amazonense, entre outros veículos, e divulgador, em Manaus, da geração beat americana e da poesia marginal brasileira.

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