HISTÓRIAS POLÍTICAS DO ARCO DA VELHA
Depois de passar mais de quinze anos sem colocar os pés no Amazonas, o ex-governador Gilberto Mestrinho chegou a Manaus em 1980, para ser candidato nas primeiras eleições diretas para governador de Estado depois da anistia, marcadas para 1982.
O governador era antigo militante do PTB, mas acabou se filiando ao PP, do ex-presidente Tancredo Neves. Com a fusão entre PP e PMDB, Mestrinho acabou saindo candidato pelo partido do Dr. Ulisses numa ampla chapa de oposição, tendo como candidato a vice-governador o empresário e professor de inglês Manuel Ribeiro.
Para enfrentá-lo, o PDS indicou o radialista, empresário e deputado estadual Josué Filho, uma das lideranças em ascensão do partido e proprietário da rádio Difusora, a emissora de maior audiência do Estado.
Durante o debate entre os candidatos, realizado na TV Amazonas, Josué Filho resolveu pintar de negro a biografia do boto navegador:
– Professor Mestrinho, o senhor sempre foi um péssimo administrador! – disparou o radialista. – Durante seu último governo faltava água, faltava luz e faltava carne. Eu mesmo entrei várias vezes na fila para conseguir um mísero quilo de picadinho, tal o descalabro da sua administração!
Sem perder a calma, Gilberto Mestrinho contra-atacou dando um ralho:
– Deixe de ser mentiroso, Josué Filho, que você nunca entrou em fila coisa nenhuma. Você sempre foi de uma família rica. Se alguém entrava em fila, era a empregada de vocês. E assim mesmo não era para comprar carne. Você pode não lembrar, porque ainda era muito menino, mas toda semana eu mandava deixar um quarto de boi na sua casa, a pedido do meu compadre Josué Pai…
Gilberto Mestrinho ganhou a eleição. O radialista, empresário, ex-vereador e ex-deputado estadual só voltaria a disputar um novo cargo majoritário em 1988, quando foi candidato a vice-prefeito na chapa do próprio Mestrinho. E, infelizmente, perdeu de novo.
FOLCLORE POLÍTICO
O vereador Fábio Lucena discursava no plenário da Câmara Municipal de Manaus desancando o prefeito da cidade, quando o vereador Miguel Santana (Arena), vice-líder do prefeito, resolveu fazer um aparte.
Dono de um discurso empolado, cheio de preciosismos estilísticos, Miguel Santana queria lançar um repto, um desafio, a Fábio Lucena, mas acabou tropeçando na própria língua.
Depois de pedir um aparte, o vereador arenista começou:
– Nobre vereador Fábio Lucena, eu quero aproveitar a ensancha oportunosa para lhe lançar um réptil…
Fábio nem deixou o vereador concluir a sentença:
– Pois eu vou lhe lançar um batráquio, excelência…
O plenário quase veio abaixo de tanta gargalhada.
FOLCLORE POLÍTICO
Agosto de 1982. Reunidos em torno de uma garrafa de uísque paraguaio, três empresários da construção civil em situação pré-falimentar fazem especulações sobre o futuro político do Amazonas.
– Para governador, eu vou apoiar a candidatura do Josué Filho, do PDS, a pedido do Josué Cláudio de Souza, que é meu amigo há muitos anos – confessa Ézio Ferreira, dono da construtora Solo.
– Eu estou me inclinando a apoiar o Gilberto Mestrinho, do PMDB, a pedido do empresário Adib Mamede, que é meu amigo há muitos anos – diz Amazonino Mendes, dono da construtora Arca.
– Eu ainda não me decidi entre Plínio Coelho, do PTB, ou Osvaldo Coelho, do PT, mas acho que vou acabar apoiando os dois pra matar dois coelhos com uma só cajadada – ironiza Porfírio Almeida, dono da construtora Rodal.
Os três firmam um pacto de cavalheiros. Fosse quem fosse o eleito, aquele que estivesse ao lado do vencedor evitaria que os demais fossem discriminados nas licitações de obras públicas do governo.
Na eleição de novembro, Gilberto Mestrinho derrota Josué Filho e conquista o governo do Amazonas pela segunda vez.
Em dezembro, o empresário Ézio Ferreira telefona para Porfírio Almeida, sem esconder a euforia:
– Mano velho, nem te conto a maior! O Adib Mamede e o João Thomé Mestrinho estão trabalhando duro nos bastidores para o Amazonino ser o novo prefeito da cidade!
– Ah, corta essa, Ézio! – rebate Porfírio. “É mais fácil um boi voar do que o governador Gilberto Mestrinho nomear o Amazonino prefeito de Manaus… Eles mal se conhecem…”.
No início de março de 83, Ézio dispara um novo telefonema para Porfírio:
– Mano velho, tu não vais acreditar… O boi voou!
Gilberto Mestrinho acabara de sacramentar a nomeação de Amazonino Mendes para prefeito de Manaus, que, a partir daí, daria início a uma das mais vertiginosas carreiras políticas da história do Amazonas.
Colunista d’O Ralho, poeta e humorista, dedica-se ao jornalismo cultural e à atividade de produção e criação publicitária. Foi editor de cultura Jornal Amazonas Em Tempo e colunista Jornal Correio Amazonense, entre outros veículos, e divulgador, em Manaus, da geração beat americana e da poesia marginal brasileira.