Estado de sítio
Aldisio Filgueiras*
Fomos falsos em alguma coisa gestos palavras renúncia. Esquecemos outubro a roupa nova do século. Talvez que não tiramos a camisa no inverno e a vida gripou nas alamedas do tempo.
Mas compramos sapatos automóveis. Deitamos com mulheres limpas vulcânicas. Por isso não vimos a cidade tomada pelos flancos e a corda do horizonte fechar-se em nossos pescoços.
Com os olhos eretos trocamos o sentimento do mundo pela rua cheia de nádegas e seios. Há cartazes de preços móveis em nossas calças novas.
Temos um preço. Somos transmissíveis.
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Ah! os pássaros suicidaram-se nos ninhos com medo das tempestades.
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O militante com medo das feras guardou as armas e empunhou as armas e empunhou a língua como as mulheres velhas.
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Compramos relógios trancamos as portas temos um suicídio na gaveta do móvel.
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Ninguém gritou o ventre do tempo cheio de hóstias anticoncepcionais contra a pluralidade dos séculos
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Os escaravelhos tomaram a cidade e os namorados morreram surpresos nos bancos elétricos da praça. de repente, as abelhas aprenderam a fazer urânio com as flores envenenadas e os pássaros verdes ensinaram ao sol como chocar granadas.
Ninguém gritou o ventre do tempo cheio de hóstias anticoncepcionais contra a pluralidade dos séculos.
O poeta é o responsável pela humanidade. Mas o poeta tem cu e tem medo. O poeta tem conta no banco.
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O poeta é o responsável pela humanidade. Mas o poeta tem medo: Deus espirrou tão forte sobre a rosa dos ventos que os pontos cardeais perderam as direções do futuro.
Estamos sós, diante do século.
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O poeta é o responsável pela humanidade, mas o poeta tem conta no banco. Os escaravelhos tomaram a cidade. Temos um preço. Venceram as tradições de comércio.
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Estamos sós: não temos partido e precisamos de ordem.
Com os olhos eretos trocamos o sentimento do mundo pela rua cheia de nádegas e selos de qualidade. Há cartazes de preços móveis em nossas calças novas.
Fomos falsos em alguma coisa. Talvez que não tiramos a camisa no inverno e a vida gripou nas alamedas do tempo.
Com os olhos eretos trocamos. O sentimento do mundo. Pela rua cheia de nádegas e seios de silicone.Perdemos muito tempo na cama. Somos transmissíveis.
O ser da criança
do modo que vive
uma criança morre:
acreditando na lenda
Do cotidiano
a manhã lança
de metal e mistério
agreste espetou-se
nas pegadas do homem
Das nossas mulheres 1
as amazonas
não usam lança
nem são de mármore
prendem-se à vida
com esquisita tristeza
de mulheres simples
nunca foram eqüestres
Das nossas mulheres 2
mordo minha lágrimas
quando a menina
grávida se esconde
e tenho medo do mundo
Dos investidores na Amazônia
de noite é que os homens
investem seus capitais
tanto mais rápido
o lucro quanto mais
firme o braço
se apóia na forquilha
e certa a mira
da livre iniciativa
de noite as árvores
atiram pelas costas
*Aldisio Gomes Filgueiras, poeta e compositor, nasceu em Manaus, no dia 29 de janeiro de 1947. Sua estréia literária aconteceu em 1968, com o livro de poemas Estado de sítio, que depois de editado, teve sua circulação proibida pela censura. Obra poética: Malária e outras canções malignas (Manaus, 1976); A República muda (Manaus, 1989); Manaus- as muitas cidades (1987-1993) (Manaus, 1994). A Dança dos fantasmas (Manaus, 2001), Nova subúrbios (Manaus. 2004).