QUAL DEMOCRACIA, CARA PÁLIDA?
Por David Emanuel Coelho
Mais uma semana de imagens mesmerizadas na tela da Globo das invasões bolsonaristas. Ângulos de ângulos, cenas inéditas, visões nunca antes vistas. Ironicamente, a mídia usa o moralismo conservador contra o conservadorismo bolsonarista.
De modo sintomático, há mais espaço para as cenas do vandalismo da extrema-direita do que para falar a respeito da gigantesca fraude contábil das Lojas Americanas. O essencial fica encoberto, mais uma vez, pois a tresloucada ação bolsonarista do dia 8 de janeiro é apenas pirotecnia de um processo mais longo de reformulação do sistema político-social brasileiro aos moldes da base neoextrativista, enquanto a roubalheira da gigante do varejo é a expressão cabal da natureza do capitalismo.
A mensagem midiática – ao mostrar e ao calar – visa recrudescer o respeito à ordem, no caso a burguesa. A depredação física é condenada de novo e de novo, mas a contábil é ocultada. Neste discurso de pregação do conformismo, a defesa da democracia é um elemento constante.
Todos defendem a democracia. A mídia burguesa se diz sua grande promotora e o lulopetismo afirma que seu retorno ao poder foi para salva-la. Porém, mesmo a extrema-direita e o próprio Bolsonaro se dizem defensores e respeitadores da democracia. A rigor, a palavra democracia é oca de sentido caso não nos façamos a pergunta crucial: de qual democracia estamos falando, afinal?
Por exemplo, a democracia brasileira é democrática? Quantas decisões cruciais para a vida do cidadão brasileiro realmente foram tomadas levando em conta o que o povo brasileiro pensava? Qual o grau de ingerência popular dentro das casas legislativas país afora? Quanto o brasileiro sente-se contemplado pelo judiciário? E os partidos, qual o nível de democracia interna presente neles?
Basta responder a estas perguntas para saber o quanto a democracia deste país é não-democrática. Toda a vida política nacional fica reduzida a votar, a cada dois anos, em representantes que, posteriormente eleitos, se alienarão por completo da vida do povo comum. Não à toa, todas as instituições da República são rejeitadas pela população, competindo entre si para saber qual a mais detestada.
A democracia brasileira sequer se aproxima por completo de ser uma democracia liberal, esta por si mesma extremamente restritiva, pois é o regime onde o fundamental, os meios de produção de riquezas, não está sob controle social. O liberalismo no fundo é uma ditadura flexível, onde há liberdade no plano político, mas não em seu coração, a propriedade privada.
A ditadura do patrão é a verdade do sistema liberal. Pode-se trocar os representantes, mais ou menos debater os rumos do Estado, mas não se pode discutir e controlar as estruturas fundamentais para a existência da própria sociedade. O poder econômico não é democrático.
Por isso, ele pode roubar e ficar impune, pois não está sob o escrutínio social. Não existe nenhuma eleição na qual os acionistas majoritários das Lojas Americanas deverão prestar contas. Quem foi prejudicado por eles só conseguirá reaver seu prejuízo caso também possua bala na agulha, pois, do contrário, será imponte igual ao servo medieval após ter tido suas filhas sequestradas pelos pequenos tiranos da nobreza.
É esta democracia, onde nada muda, que é defendia pela Globo, pelo STF, pelo Congresso e pelo lulopetismo. E também, ainda mais restritiva, pelo bolsonarismo. Democracia, na boca destes agrupamentos, é a ditadura da burguesia, a tirania do capital, em detrimento dos interesses da imensa maioria trabalhadora.
Nossa democracia não pode ser esta, mas deve ser a democracia social, do cotidiano, onde o conjunto da população decida efetivamente sobre os rumos do país e do mundo desde o nível elementar da produção dos bens úteis à vida. Democracia sim, mas democracia que seja muito mais do que simplesmente apertar botões a cada dois anos.
(*) David Emanuel Coelho é sociólogo e jornalista