Denise Assis*
“As meninas venezuelanas vieram ao Brasil em busca de ajuda, e não atrás de cantada barata de um ‘tiozão'”, escreve Denise Assis
Na noite de sábado (15/10) para domingo (16/010), Bolsonaro perdeu o sono. Ou melhor, dizem os mais próximos que ele sofre de insônia, paranoia e só se sente seguro com uma arma sob o travesseiro. Em dias de crises mais agudas ele se tranca no closet do quarto do casal presidencial – uma espécie de útero, se é que vocês me entendem…
Bolsonaro fez sua equipe adiar o pernoite para gravar uma live perto de uma hora da madrugada. Sentiu a água bater na bunda, depois de uma semana de fracassos sucessivos e foras homéricos.
Desde a “carona” indevida pega na corveta da Marinha, que tradicionalmente transporta a Nossa Senhora de Nazaré, na tradicional festa do Círio, no Pará, até a balbúrdia em companhia de um batalhão de arruaceiros bêbados, a ponto de subirem à torre da basílica da santa padroeira – Nossa Senhora Aparecida –, para fazer parar os 13 carrilhões acionados anualmente em homenagem a ela, pois estavam abafando os gritos alcoolizados de “mito”.
Depois, num erro de avaliação, achou que poderia suplantar a serpente vermelha que evoluiu pelas ruas e pontes de Recife, com Lula, no dia anterior, num show digno dos desfiles do bloco “Galo da Madrugada”. Vista do alto, a imagem dos militantes e apoiadores compactos, cantando o Lula lá, era isto que parecia, uma serpente gorda, a evoluir, preenchendo todos os espaços. Foi para lá no dia seguinte e conseguiu reunir apenas um grupo ralo e anêmico no amarelo de suas camisetas, em torno de uma estrutura montada para receber uma massa que não deu as caras.
Por fim, para culminar a semana, recuperou numa entrevista uma história que estava perdida no ano de 2020, quando fez uma live de dentro da casa de um grupo de meninas venezuelanas, que estimou ter entre 14 e 15 anos. “Eu estava na região periférica de Brasília, com a minha moto, quando parei e vi umas meninas de 14 e quinze anos, bem arrumadas, meninas humildes, e eu pedi para entrar na casa delas”. (Versão dada na live “madrugadeira”, gravada depois que o episódio se tornou um escândalo).
“Eu parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei.
O que fazia Bolsonaro, o chefe da nação, num sábado de manhã, numa região periférica de Brasília? Por que entrou na casa de meninas desacompanhadas? Que interesse tinha lá dentro? Demonstrar “a minha indignação”. Stop: indignada fico eu, vocês, o país. Presidente da República é para tomar atitude. Agir, buscar solução para aquilo que acha que está errado. E o que estava errado naquela situação? Tudo.
Principalmente a sua descrição original: “Tinham umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sábado para que? Ganhar a vida. Você quer isso para a sua filha que está nos ouvindo agora?”
Se eram exploradas sexualmente, ele deveria ter feito a denúncia e exigido providências. E ao não tomar atitude, prevaricou. Sendo apenas uma suposição, não poderia ter afirmado, pois caracteriza xenofobia (eram todas venezuelanas), preconceito, ilação, calúnia. Pedisse, então, uma investigação. Chamasse as autoridades responsáveis para averiguar. Mandasse recolher as meninas menores para um abrigo até que a situação fosse esclarecida.
Ao externar a sua “revolta” numa live de madrugada, um dia antes de ser confrontado num debate com o seu adversário (hoje à noite), Bolsonaro quis apenas o que persegue com sofreguidão: salvar a própria pele. “O PT recorta pedaços como se eu estivesse atrás de programa? Pelo amor de Deus!” exclama, como em todas as vezes que está em apuros e não têm algo melhor a dizer. (E quem falou em programa? Ele, somente ele).
Que fique claro: o recorte quem está fazendo é ele, ao subtrair de seu relato a frase que todos ouvimos: “pintou um clima”.
Em seguida pergunta: “que falta de respeito é essa?”. De novo: stop. Essa fala é minha, é nossa, é do povo brasileiro. Que falta de respeito é essa para com a nossa infância? Que falta de respeito é essa para com meninas que têm praticamente a idade de sua filha? Que falta de respeito é essa para com uma infância sofrida, exilada e empobrecida?
As meninas venezuelanas vieram ao Brasil em busca de ajuda, e não atrás de cantada barata de um “tiozão”. Ele, sim, não se dá o respeito.
Uma situação que merece ser abordada pelo embaixador venezuelano no país. Que a Venezuela peça explicações ao Brasil, por ter as suas meninas expostas às abordagens “impróprias”, para não ter que usar termo pior. E que a Lei brasileira o enquadre com eficiência em mais esse crime.
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Veja, Isto É e O Dia. É autora de “Propaganda e cinema a serviço do golpe – 1962/1964”; “Imaculada” e “Claudio Guerra: Matar e Queimar”. Integrante do Jornalistas pela Democracia