Renúncias fiscais x corte de gastos: Haddad passa um sabão na mídia

‘Haddad foi acusado de inflar números para evitar cortes. Parece ter lavado a alma com a divulgação dos números pela Receita’, relata Tereza Cruvinel

Todos nós sabemos que, antes de render-se à necessidade de fazer um duro corte de gastos para cumprir a regra fiscal, o ministro Fernando Haddad tentou fazer o ajuste pela receita, cortando parte dos subsídios bilionários concedidos a vários setores e empresas. O Congresso não deixou: manteve a desoneração da folha de pagamentos e não acabou com o Perse.

Com o anúncio da Receita, de que a perda de receita com renúncias este ano chegou a R$ 97,7 bilhões até agosto, o ministro passou uma descompostura nos jornalistas que cobrem a Fazenda, por ter a mídia o acusado de inflar os números: “façam uma reflexão sobre a conduta que vocês tiveram no ano passado”, disse Haddad ao longo de sua reprimenda, cujo áudio virá ao final deste texto.

Os dados sobre as perdas tributárias da União foram disponibilizados pela Receita através da DIRB – Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária, ferramenta recém-criada para consolidar as informações sobre o que deixou de ser recolhido. Um grupo de 54,9 mil empresas foi beneficiado com renúncias que somaram  R$ 97,7 bilhões até agosto.

Individualmente, a Brasken foi a maior beneficiária (R$ 2,27 bilhões) por conta do regime fiscal especial concedido à indústria química. Vale recordar que esta é aquela empresa que, com sua mineração, causou prejuízos a 15 mil imóveis e a cerca de 60 mil pessoas em Maceió (AL). As vítimas cobram justiça e reparação, e nada receberam até agora.

A pandemia de Covid-19 já se foi há um bom tempo mas o Perse, programa criado para socorrer o setor de eventos naquela época, nunca mais foi revogado. Haddad tentou mas conseguiu apenas um pequeno ajuste. Segundo a DIRB, o programa privou o governo de R$ 9,7 bilhões até agosto e a empresa que mais ganhou com ele foi o Ifood, que deixou de pagar R$ 336,11 milhões.

A desoneração da folha para 17 setores da economia custou, até agosto, R$ 12,3 bilhões, e foi objeto daquela refrega entre Congresso/empresários e o governo: Lula veta, Congresso derruba o veto, Governo vai ao Supremo e, no fim, o que Haddad conseguiu foi um acordo pelo qual no ano que vem terá início uma lenta e gradual redução do benefício.

A DIRB traz um mundo de informações sobre o paraíso fiscal garantido a alguns. Por setores, por exemplo, Adubos e Fertilizantes ganhou R$ 15 bilhões, a indústria farmacêutica, R$ 6,5 bilhões, Defensivos Agrícolas, R$ 10,8 bilhões, carnes para exportação, R$ 1,5 bilhão e assim por diante.

Cortando nas políticas públicas, que beneficiam os que mais precisam do Estado, o governo espera obter R$ 30 bilhões para cumprir o arcabouço fiscal. Este valor sairia facilmente desta montanha de incentivos e renúncias se o Congresso permitisse e se as empresas premiadas aceitassem uma pequena redução do favorecimento.

Haddad foi sempre acusado de estar inflando os números sobre o Perse e a desoneração para evitar o corte de despesas e fazer o ajuste tapando estes ralos tributários. Por isso parece ter lavado a alma com a divulgação dos números pela Receita. Transcrevo parte do que ele disse aos jornalistas na quarta-feira, quando cobrado sobre a divulgação do corte de gastos.

– É importante que a imprensa faça uma reavaliação da conduta que teve no ano passado, quando a Fazenda divulgou números sobre a desoneração e o Perse. Fomos muito criticados, acusados de estarmos exagerando os números. Agora a Receita Federal atesta que nós estávamos certo e vocês da imprensa, equivocados.  É importante que vocês façam esta reflexão porque o esforço fiscal tem que ser de todos, inclusive da imprensa. Vocês precisam parar de defender interesses particulares e passarem a defender interesses de toda a sociedade. Os subsídios vão continuar sendo enfrentados, embora agora estejamos focados na dinâmica do gasto. Este é o papel de qualquer governo.

Ele recordou que o setor de Comunicações, um dos 17 setores agraciados, ganhou muito com a desoneração, e que muitas empresas seguem favorecidas pela lei mal elaborada do Perse.

Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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