O HOMEM MAU E O HOMEM BOM
Por Carlos Santiago*
Eram dois amigos. Um, até hoje, bastante prestigiado publicamente e com ampla liberdade nos corredores da República; o outro, um simples trabalhador. Duas vidas, caminhos e histórias diferentes. Aliás, como não poderia deixar de ser.
Nossa primeira personagem nasceu com o genes da maldade e a espalhou quase cotidianamente. Seu nome, Davi. Filho de pai militar e de uma dona de casa, extremamente religiosa, simbolicamente, desde bebê, já demonstrava em suas ações que tipo de adulto seria. Como o diz o dito popular: quando o espinho tem que furar, já nasce com a ponta. E assim foi. Mordia o bico dos seios de sua mãe depois da mamada e batia na cabeça dos gatos da família com chocalhos.
Quando cresceu tornou-se o terror do bairro. Quebrava as lixeiras, tocava as companhias das casas e depois corria. Usava baladeiras para quebrar vidraças e tomava picolé da boca de criança. Odiava estudar. Para ele, não havia ambiente mais chato e monótono. Antipático por natureza, indisciplinado e incapaz de se comover sequer com os sofrimentos dos pais, ele era totalmente deslocado socialmente.
No lado oposto da moeda e da vida, encontrava-se Frederico. Gostava de praticar o bem. Filho de professores da rede pública, desde sempre demonstrou que seu caminho seria trilhado pela ética. Cortês com as pessoas próximas, respeitador e defensor dos direitos dos animais e do meio ambiente, suas ações voltavam-se para o social. Adorava estudar. O conhecimento o fazia bem. Questionador das realidades e das verdades postas, sempre dizia que o desvelar do mundo estava em três perguntas muito simples: o quê? Quando? Como?
Na busca de saber cada vez mais, resolveu estudar filosofia. Após tantas leituras, aquelas três interrogações iniciais transformaram-se em indagações mais complexas: quem somos? Por que somos assim? Para onde vamos? No plano concreto da vida tornou-se professor.
Já adultos, dois fatos mudaram as vidas dos amigos. No caso de Davi, um de cunho religioso. A sua mãe lhe pediu para que levasse a Bíblia Sagrada ao religioso chefe. Embora, com preguiça foi. Colocou-a debaixo do braço e saiu pelas ruas até chegar a Igreja. Quando ele entrou naquele ambiente de fé, os fiéis ficaram abismados com aquele homem desfilando com o livro sagrado. O líder religioso pediu aplausos do público. Davi ficou espantado com aquele delírio. Subiu ao palco e levantou as mãos com a Bíblia para a gritaria geral.
Enquanto isso, Frederico passeava com as obras de filósofos. Gostava muito de Nietzsche e resolveu ministrar um curso comunitário sobre os ensinamentos desse pensador. Como era bastante eloquente e de raro saber, inicialmente, teve a participação de um grande público, mas aos poucos viu ocorrer um enorme esvaziamento. E o pior. As pessoas que antes o elogiavam e o admiravam, agora, xingava-o de uma forma incompreensível: anticristo, demônio e capeta.
Davi tornou-se líder religioso. Fundou sua própria igreja. É homenageado pelos poderes da República. É aclamado pelo povo. É conselheiro do maior mandatário. Algumas operações policiais já o envolveram recentemente, mas ele sempre nega tudo. Frederico ficou mais recluso e passa a maior parte do tempo lendo. Ainda trabalha como professor, e para melhorar a renda, faz tradução de obras literárias, quando tem folga ainda é voluntário num asilo, mas evita sair pelas ruas do bairro, onde é totalmente incompreendido.
Ao refletir sobre essas duas vidas tão próximas e tão distintas, lembro a frase de uma música do Raul Seixas: … há tantos caminhos, tantas portas, mas somente um tem coração…
Sociólogo, Analista Político e Advogado.