Fale, Anderson Torres, e ajude a pegar o golpista manezão que você não é
Moisés Mendes (*)
Torres “nunca foi um líder-alicerce da base da extrema direita”, escreve o jornalista
Não vamos cometer o erro de elevar Anderson Torres à categoria de grande figura histórica do fascismo bolsonarista.
Torres estava habilitado a ser um grande operador do golpe, uma figura decisiva para que a trama criminosa fosse viabilizada.
Homem da elite da Polícia Federal, foi ministro da Justiça, circulava entre a família e os militares e por isso tinha em casa a minuta de como o golpe seria aplicado. Era um protagonista.
Mas não era, nunca foi, um líder-alicerce da base da extrema direita. Tanto que só entrou no governo e assumiu o Ministério da Justiça em março de 2021, mais de dois anos depois da posse de Bolsonaro.
Torres não é pop, não tem ascendência política sobre manés, não tem voto e poder econômico e nem uma trajetória de bolsonarista raiz.
É desimportante? Claro que não. É importantíssimo e, por tudo que sabe, pode abrir as portas para que as investigações cheguem ao núcleo político do golpe.
Mas não confundam Torres com nenhum dos fascistões que ainda estão soltos. Não equiparem o policial operador a políticos, militares e gente com dinheiro que pensavam e articulavam o golpe.
Torres trabalhava para eles. Não há equivalência do delegado com empresários milionários que patrocinam a base social do bolsonarismo. São diferentes.
Não há semelhança com empresários que mamaram no governo, tiveram a proteção de Bolsonaro, pregaram o golpe até em churrascarias de beira de estrada e tentaram levar o plano adiante, mesmo quando os bloqueios de estradas e os acampamentos estavam definhando.
Há entre esses manezões alguns que agora se declaram quase todos os dias ao lado da democracia e até na torcida por Lula.
Anderson Torres não é dessa turma orgânica. É amigo da família e preposto do primeiro time, mas preposto.
A prisão do delegado, contestada por defensores dos direitos de golpistas, oferece a oportunidade de levar a outros implicados maiores do que ele.
Na PF, Torres esteve frente a frente com envolvidos com o crime organizado e sabe o que acontece com alguém encarcerado.
Conhece a fragilização de um presidiário que trabalhava em quadrilha e depois de preso é convidado a não assumir tudo sozinho.
Podemos esperar muito da sua prisão, pelos resultados concretos e pelo simbolismo que carrega. É um policial de elite e ex-ministro da Justiça.
Mas o núcleo pesado, funcional e ideológico dos manezões, que sustenta o bolsonarismo desde antes de 2018, está intacto e começa a empurrar todos os fardos para o colo do delegado.
Temos mais de 1,3 mil presos pelo terrorismo em Brasília, a maioria de manezinhos. Não há entre eles um nome, um só, de relevância nacional no fascismo.
Há conhecidos, gente famosa em suas regiões, influencers, donos de fazendolas, grileiros, moças de família, serralheiros, padeiros, mas não há um grandão.
Anderson Torres é um operador grandão. Mas não seria ele, se não fosse enquadrado e contido, que iria tentar reorganizar as bases políticas do bolsonarismo destroçado.
Os que tentarão reerguer a extrema direita, depois do revés sofrido, estão soltos. Os financiadores do governo paralelo das milícias digitais e do gabinete do ódio estão livres.
Não subestimem a capacidade de reorganização dos manezões, que
rearticulam a resistência enquanto acenam com bandeiras brancas para incautos e distraídos.
Anderson Torres é o primeiro a saber que não é um dos manezões. Mas poderá levar a Justiça até eles e se livrar de culpas que não são suas.
Moisés Mendes (*)
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.