“Se todas as barbaridades por ela narradas forem reais, Damares cometeu crime de prevaricação”, escreve o jornalista Gilvandro Filho
Por Gilvandro Filho*
O bolsonarismo, essa chaga que ocupa o poder no Brasil desde janeiro de 2019, tem o dom de nos brindar com taças cheias da ignorância, pratos fartos e indigestos de ódio e de preconceito, com uma seleta infame dos piores quadros que já surgiram na burocracia e na política nacionais. Mas, convenhamos, no extremo oposto da beleza e do charme da incrível Gilda de Rita Hayworth, nunca houve uma mulher como Damares.
É que nunca na história desse país, a política fez brotar no serviço público um ser tão bizarro quanto essa criatura, hoje eleita senadora pelo Distrito Federal com inexplicáveis 714.562 votos a ela conferidos pelos brasilienses da horda bolsonarista. Damares Alves é um ser que precisará ser estudado no porvir. No momento ela precisa apenas ser parada em sua sanha de transformar a fé em mentira, a religião em fanatismo, a chantagem em ferramenta, a maldade em doutrina.
A última peça desse rosário de mentiras proferidas por quem ocupou, tão inadequadamente, o cargo de ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos é, com certeza, a mais abjeta. Até agora, a criatura, na execrável função de agradar ao seu criador e mito, vinha apenas sendo patética. Seus delírios, como aquele em que conversa com Jesus Cristo em cima de uma goiabeira, serviam até para divertir o ouvinte, a depender de sua paciência. Agora, ela passou dos limites.
Ao inventar uma história macabra sobre crianças traficadas na região Norte do país e usadas, segundo ela para praticar sexo oral e sexo anal, a ex-ministra foi além de uma simples mentira. Se todas as barbaridades por ela narradas forem reais, Damares cometeu crime de prevaricação, quando uma autoridade tem conhecimento de um crime e não apura devidamente. Afinal, em sua gestão, nenhum inquérito foi aberto para investigar tal escândalo.
A “revelação” de Damares Alves ocorreu no último dia 8, na Assembleia de Deus Ministério Fama, de Goiânia, na presença da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Damares, em sua fala, ainda comprometeu o próprio presidente da República que, segundo ela, teria ordenado ações de resgates de crianças, vítimas de tráfico sexual para o exterior, através da Ilha do Marajó, Pará . Pelas palavras de Damares, Bolsonaro, por receber a denúncia e nada fazer ao saber do “crime”, se enquadraria no mesmo crime de prevaricação.
Até ontem à noite, o site Change.org já havia recolhido mais de 178 mil assinaturas pedindo a cassação do registro de Damares Alves, caminhando ligeiro para as 200 mil assinaturas. Bolsonaristas, ao mesmo tempo, já ocupam as redes sociais sacando do colete o argumento risível de que, senadora eleita, Damares já teria direito a foro privilegiado. O que trata de uma insanidade.
Do ponto de vista policial, a Polícia Federal já constatou que a bolsonarista mentiu de forma cruel e deslavada. O que falta para que se inicie em desfavor dela o inquérito pertinente? Por muito menos que isto, ela já mereceria perder preventivamente o mandado que ainda nem assumiu. É um perigo imensurável para a saúde política do Congresso Nacional. Um risco para a Democracia brasileira que o bolsonarismo busca, a todo custo, exterminar.
Gilvandro Filho
Jornalista e compositor/letrista, tendo passado por veículos como Jornal do Commercio, O Globo e Jornal do Brasil, pela revista Veja e pela TV Globo, onde foi comentarista político. Ganhou três Prêmios Esso. Possui dois livros publicados: Bodas de Frevo e “Onde Está meu filho?”